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PANCS: o que são e como podem agregar para o agronegócio brasileiro?



O tamanho do agronegócio brasileiro


O agronegócio é extremamente relevante para a economia brasileira, representando 23,8% do PIB nacional e empregando 28,5 milhões de pessoas. Atualmente, o Brasil é o maior exportador de soja (56%), milho (31%), café (27%), carne bovina (24%) e carne de frango (33%) no mundo. Com investimento contínuo ao longo dos anos, o setor apresentou um desenvolvimento exponencial, com um crescimento anual composto de sua receita de exportação em dólar de 6,2% no período de 2010 a 2023. Diversos acordos e parcerias internacionais - com China, União Europeia, Estados Unidos e outros -, aliviaram as taxas e impostos dos produtos brasileiros, fazendo com que as exportações nacionais aumentassem em torno de 120% nos últimos treze anos.


Exportações brasileiras (bilhão de dólares) – Fonte: IEA, Governo Federal


Sendo visto como uma grande potência agroexportadora, o Brasil desenvolveu tecnologias e métodos de cultivo de commodities que criaram vantagens competitivas nacionais. Nesse contexto, o país aproveita de sua geografia e know-how histórico para operar eficientemente num setor extremamente competitivo. São exemplos dessas vantagens o clima brasileiro para plantação de cana de açúcar e o alto desenvolvimento tecnológico para agricultura, que permite que o país conte com técnicas digitais e da indústria 4.0, tais como drones, sensores e fertilizantes nas plantações.


Ademais, num mundo cada vez mais globalizado, as produções tendem a se espalhar no globo e o acesso a produtos internacionais se amplia. Dessa forma, a alimentação da população mundial passou a ser cada vez mais parecida, principalmente no ocidente e nos países asiáticos desenvolvidos. Paralelamente, criou-se um método de plantio em massa das principais commodities consumidas mundialmente, dentre elas milho, soja, arroz, trigo, cana-de-açúcar e feijão. Inclusive, tais plantações representam grande parte do volume agrícola produzido no Brasil, sendo que apenas os grãos ocuparam, em 2023, uma área de 75,6 milhões de hectares no país.


Projeção área plantada dos cinco principais grãos – Fonte: CONAB


Área por grão – Fonte: CONAB, EMBRAPA


Essas monoculturas são usadas para diversos fins além da alimentação humana. A maior parte dos grãos – 77% da soja, 61% do milho e 20% do trigo – são usados para alimentação de animais em fazendas pecuárias. Além disso, outras plantações podem ser usadas na indústria farmacêutica, de cosméticos e energia.


A base alimentar do indivíduo brasileiro


Uma potência global de grãos, o Brasil realizou exportações de bens desse gênero no valor de 166,55 bilhões de dólares no ano de 2023. Essas vendas foram realizadas principalmente por grandes companhias como o Grupo Amaggi e a Coamo, que exportam para diversos países ao redor do globo - como China, Argentina, Marrocos e Noruega. Entretanto, grande parte da população brasileira se alimenta da produção de pequenos e médios produtores, focados em atender a demanda do mercado interno e produzindo, além das principais commodities, espécies de vegetais, frutas e leite que não seriam atendidas pelos grandes produtores.


A alimentação do brasileiro, historicamente focada no consumo de arroz, feijão e mandioca, por sua vez, vem mudando com a influência da globalização, sendo ainda mais impactada pela desigualdade social do país. O número de produtos industrializados vem aumentando, e o Brasil passou de um consumo de 3 milhões de toneladas de produtos congelados, em 1990, para 60 milhões de toneladas, em 2012. Além disso, o consumo de massas instantâneas cresceu 31% no período de 2018 e 2020.


Nesse contexto, a população mais vulnerável socioeconomicamente foi a principal impactada com o aumento dos preços dos alimentos saudáveis. De acordo com Valter Palmieri Júnior, doutor pela Unicamp, os preços subiram por conta do aumento das exportações, com influência do aumento do dólar e dos benefícios governamentais, além da diminuição de terras disponíveis para a produção de alimentos que não são commodities. Contando com 1.343 respostas de pessoas que recebiam o auxílio do Bolsa Família, uma pesquisa conduzida pela UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) mostrou que 80% dos entrevistados ofereceram algum tipo de alimento ultraprocessado para seus filhos no dia anterior a entrevista. Os principais motivos, além do sabor, foram preço e praticidade. Tal aumento no consumo de comidas industrializadas corroborou para a piora do índice de obesidade no Brasil.


Ademais, o brasileiro mais pobre também enfrentou dificuldade para comprar carne. Com a desvalorização do real, a exportação pecuária aumentou no país, fazendo com que o preço desse alimento no mercado interno subisse. A inflação desse produto colaborou, ainda, para o aumento de vendas de carnes ultraprocessadas, como salsichas e linguiças, para essa parcela da população.

 

Uma possível solução para um problema estrutural


Mesmo num setor extremamente competitivo, que movimenta bilhões de reais todos os anos, é altamente tecnológico e apresenta grandes produtores que se beneficiam da escala de suas operações, há oportunidades para novos entrantes nesse mercado. E uma dessas possibilidades é o cultivo de PANCS.


As PANCS - Plantas Alimentícias Não Convencionais -, podem ser descritas como vegetais encontrados no dia a dia da população que, apesar de poderem ser utilizadas como comida, não apresentam essa função social. Muitos desses vegetais são originários da flora nativa brasileira ou até mesmo classificados como pragas urbanas e/ou rurais. Diversas PANCS, inclusive, faziam parte da alimentação, mas caíram em desuso devido à globalização, a qual foi uma das responsáveis pela substituição do consumo de plantas originárias e diversas pelas mesmas espécies consumidas globalmente.


São exemplos de PANCS encontradas no Brasil: dente de leão, ora-pro-nobis, taioba, capuchinha, peixinho e o fruto da costela de adão. Outras partes de plantas comumente consumidas também podem se enquadrar na classificação de PANCS, como as folhas da batata doce e da cenoura, geralmente descartadas. Por muitas dessas plantas alimentícias serem classificadas popularmente como pragas vegetais, nota-se que possuem um grande poder de adaptação a ambientes diversos, conseguindo nascer em solos pobres e sem maiores cuidados. Dessa forma, é possível imaginar um cenário onde tais plantas são cultivadas em escala para substituir e/ou complementar as commodities atuais, tanto na alimentação humana, quanto nas rações para animais. 


De maneira geral, a pecuária brasileira consiste em 90% no método extensivo de criação, em que o gado encontra largas áreas de pastagem para seu desenvolvimento antes do abate. Os animais criados nessa categoria retiram a maior parte de seu alimento diretamente do solo, sendo necessário fazer uso de uma suplementação de nutrientes. O resto da produção é feita pelos modos intensivos e semi-intensivos, nos quais os animais são alimentados por meio de rações em cochos, onde já encontram os nutrientes e vitaminas que precisam.


A base dessas rações é a soja, principal grão plantado no país atualmente, que foi trazido da China e só conseguiu se adaptar e ter sua produção escalável após diversas mudanças genéticas e influências no solo. E se a soja, contudo, fosse substituída por uma planta nativa das Américas, já acostumada ao clima brasileiro?



Simulando uma plantação de um hectare de soja e jerimum – abóbora nativa das Américas –, a partir de projeções de custos e faturamentos de pesquisas de grupos como Agroadvance e Satis, observa-se que a plantação de abóbora (da qual a sua semente está incluída) tem, por si só, margens brutas maiores. Do ponto de vista nutricional, repara-se que as sementes de jerimum poderiam ser utilizadas na elaboração de novas rações para os animais, uma vez que estas apresentam maior nível de proteínas e fibras do que a soja. Assim, a abóbora poderia ser utilizada de forma completa com diferentes focos para suas partes, podendo encontrar ainda um mercado alvo na população humana, que está mais acostumada a comer abóbora do que soja.


Aprofundando na análise a partir da tabela, o ponto principal seria comercializar os vegetais de maneira separada com foco no que cada uma pode oferecer; assim, a substituição da soja não precisa ser total. Por ser a base, junto do milho, da ração para animais criados de forma intensiva, a soja, que já é plantada com escala, barateia o custo do alimento, uma vez que a elaboração de novos tipos de ração pode demorar, além do tempo de adaptação dos produtores dessas rações, o qual também seria longo. A partir disso, o jerimum teria duas vertentes de inserção nas rações: sua polpa, podendo ser usada com outras PANCS baixas em proteínas, mas ricas em vitaminas na suplementação nutricional do gado criado de forma extensiva; e suas sementes, como substitutas ou complementos diretos da soja na base da ração dos animais criados no método intensivo.


Por outro lado, essa análise não considera as dificuldades da plantação da abóbora, que exige um know-how maior que a soja para sua produção, podendo ter também em seu início custos maiores. Dessa forma, fica-se evidente que as PANCS emergiriam não para substituir por completo o uso das commodities tradicionais e sim para diversificar e expandir de maneira sustentável a produção de sementes e outros produtos agrícolas no Brasil, complementando de maneira direta a alimentação ou auxiliando no barateamento de outros insumos agrícolas, facilitando o acesso a uma dieta mais diversificada.  


PANCS e a coexistência com o agro de grande escala


Em síntese, incluir e desenvolver a flora nacional de maneira escalável pode complementar ainda mais o agronegócio brasileiro que, em sua história, focou apenas na exportação de commodities, reduzindo o consumo das plantas originalmente consumidas no país e no continente americano. Assim, integrar as PANCS numa fazenda de agricultura familiar, nos mercados brasileiros e nas rações pecuárias traria benefícios socioeconômicos e até mesmo ambientais para o Brasil, promovendo um futuro mais sustentável e economicamente mais eficiente.

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