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O Freio Abrupto dos Semicondutores



Desde o começo de 2021, a baixa oferta de carros 0KM disponíveis ganha as manchetes e, por conseguinte, o preço de carros usados explodem. A pergunta é: por que isso está acontecendo? A explicação tem início há um ano.


Quando a pandemia começou, as fábricas ao redor do mundo pararam por algumas semanas com todos aderindo ao trabalho em casa. O home office, aliado ao setor de serviços fechado, fez com que o consumo de eletrônicos disparassem (computadores, telefones, servidores). Com as fábricas paradas e a demanda explodindo, a cadeia de fornecimento de semicondutores se desestabilizou. Para contribuir, as montadoras fizeram um movimento, no mínimo, questionável: suspender encomendas por volta de março do ano passado, a partir da premissa de que a demanda por carros iria desacelerar.


Quando as indústrias voltaram a funcionar, as montadoras estavam no fim da fila de semicondutores. Junto a isso, a demanda por carros ascendeu em muitos lugares do mundo, com as pessoas dando preferência aos meios de transporte individuais, devido ao distanciamento social. Então, com (i) as montadoras no fim da fila da cadeia de suprimentos e (ii) a demanda voltando mais forte e mais cedo do que o esperado, formou-se o cenário atual.


As montadoras no fim das contas são muito sensíveis a qualquer crise de abastecimento, já que, praticamente, não operam com estoque de semicondutores pelo modelo just-in-time. Além disso, a produção é muito globalizada, muitas vezes com várias etapas em vários países. Por exemplo, um chip A14 da Apple passa por 4 empresas de diferentes nacionalidades, já que não existe nenhum país no mundo capaz de produzir um eletrônico complexo com vários semicondutores de ponta-a-ponta. Como agravante, nos últimos 2 a 3 meses, aconteceram uma série de aleatoriedades que pioraram muito a situação.


A primeira foi a forte nevasca no Texas (que possui uma parte relevante dos semicondutores fabricados nos EUA), a qual causou problemas de fornecimento de energia e fez as fábricas pararem por algumas semanas, e, mesmo após a reabertura, ainda não está claro quando a situação irá se regularizar.


A segunda foi o incêndio em uma das cinco fábricas da Renesas, empresa japonesa que responde por 40% do fornecimento de microcontroladores (um dos tipos de semicondutores) para montadoras em todo o mundo. Tal incêndio destruiu uma fábrica inteira no fim de março, o que levou o CEO da empresa a prever a reabertura apenas para o fim de junho ou julho, com normalização completa apenas em dezembro.


A terceira foi a maior seca taiwanesa em 50 anos. A TSMC, maior foundry do mundo (responsável pela manufatura dos semicondutores em larga escala), sediada em Taiwan, sofre com racionamento de água, com a necessidade do uso de caminhões pipa para a produção dos chips, o que encarece muito o processo. Abaixo, segue um gráfico sobre a cadeia de fornecimento de semicondutores, o qual permite uma melhor visualização de como os contratempos acima afetam toda a cadeia. Como pode ser vista, a Renesas, do incêndio, é quem mais fornece para montadoras.



Fonte: Bloomberg


Com os choques negativos na oferta de semicondutores para todo mundo, as fabricantes preferiram vender para companhias de produtos eletrônicos, como celulares (principalmente processadores com tecnologia 5G) e computadores, dado sua maior rentabilidade. Os semicondutores usados nos carros (para computador de bordo, por exemplo) são, relativamente, ultrapassados e menos rentáveis.


Um smartphone 5G precisa de 40% mais chips do que os smartphones normais, e, consequentemente, tem margens superiores. Enquanto isso, os semicondutores partiram de 27% para 40% em share no custo dos carros entre 2010 e 2020, aumentando a exposição a este produto.


Tal tendência tende a ser ampliada pelo ganho cada vez maior de share de carros elétricos. Enquanto um carro a combustão precisa de cerca de 100 dólares em semicondutores, os elétricos precisam de cerca de 1000.


De todo modo, as montadoras não estão completamente sem esse produto, contudo estão recebendo menos do que precisam. Como o dólar disparou desde o começo da pandemia, elas estão dando preferência para mandar estes para países com moeda local valorizada, como os representantes da Stellantis (montadora que surgiu após a fusão da Fiat com o PSA Group) comentaram em teleconferência com um banco de investimentos estrangeiro recentemente.


Todavia, no começo desse ano, as montadoras erraram novamente, quando decidiram paralisar ao redor do mundo por alguns dias, acreditando que a escassez era momentânea. Então, veio o incêndio na fábrica do Japão, a seca piorou em Taiwan e ficou mais claro que a situação não se resolverá tão rápido. Nesta linha, a GM do Brasil paralisou as atividades e anunciou, no fim de março, que iria suspender as operações na fábrica de Gravataí, que produz o Onix (o carro mais vendido do país desde 2015), e só deve retornar ao fim de julho. Nesta terça feira (25), também anunciou a suspensão nas atividades da fábrica de São Caetano do Sul por 6 semanas também por falta de semicondutores. Na mesma linha, a Ford anunciou que vai produzir 1.1 milhão de carros a menos em 2021 do que o esperado ao redor do mundo.


Como as montadoras estão com poucos semicondutores, estão dando preferência para carros com mais margem. A própria Stellantis pontua que a prioridade no momento é direcionar mais chips para Jeep Renegade do que para Fiat Mobi. E, mesmo assim, os carros estão saindo “incompletos”: a Fiat vem entregando carros sem tela interativa no painel, enquanto a Peugeot entregou alguns carros com velocímetro analógico.


Ainda não é palpável dizer quando a escassez vai acabar. De forma geral, as fabricantes de semicondutores investem em expansão de produção, contudo este é um processo complexo que demanda tempo. O presidente dos EUA, Joe Biden, convocou uma reunião especial com os CEOs das principais empresas de semicondutores do mundo, e prometeu direcionar 50 bilhões de dólares do megapacote de infraestrutura apenas para semicondutores. A Intel está investindo 3,5 bilhões de dólares para expandir sua fábrica no México, enquanto a TSMC anunciou 100 bilhões de dólares até 2030 em Capex. Por outro lado, essas empresas estão, de certa forma, se aproveitando da situação, pedindo incentivos e subsídios fiscais aos governos. A própria Intel está construindo uma planta nova em Israel, onde 9% do Capex advém de subsídio, enquanto a TSMC deu um aceno ao governo da Alemanha de que pode fornecer mais semicondutores para a Volkswagen caso o governo alemão abra uma parceria de vacinas contra Covid-19 com Taiwan.


A própria TSMC afirma que terminará um processo de expansão em algumas fábricas para produção de chips para o setor automotivo em junho, contudo isto não está perto de resolver a escassez, apenas proporciona uma retomada gradual. Os investimentos de agora devem corroborar para grandes melhoras somente a partir 2022.


No curto prazo, o alcance dessas empresas se limita apenas à expansão de fábricas e aumento de turnos. Não interessa a elas expandir a produção exclusivamente para o setor automotivo, visto que gastariam bilhões de dólares para aumentar a capacidade produtiva de um segmento que, hoje, é pouco rentável (processo longo, complexo e custoso, já que leva-se ao menos dois anos para abrir uma nova fábrica, e um chipmaker precisa de 3 Boeings 747 para ser transportado). Logo, as novas plantas, nos próximos anos, serão focadas na produção de chips para 5G e IoT (internet of things).


Por fim, pode-se depreender que o cenário é complexo e sua resolução pertence ao longo prazo. Analistas do UBS dizem que o pior deste movimento de mercado já passou, porém visualizam uma retomada lenta e gradual. Por outro lado, Pat Gelsinger, atual CEO da Intel, afirma que a escassez irá durar por pelo menos mais dois anos. É preciso acompanhar de perto os níveis produtivos de semicondutores direcionados ao setor automotivo e seu impacto no custo de produção dos veículos, apenas os próximos capítulos guardam uma resposta, a qual pode definir o futuro da indústria automotiva.

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