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Boom de M&As: o sintoma da euforia financeira



O mercado brasileiro de M&A mostra indícios de certa euforia jamais vivenciada. Desde 2016, o número de deals apresenta crescimento expressivo: naquele ano, foram contabilizadas 740 operações, número que saltou para 1231 em 2019 e, apesar dos impactos causados pela disseminação da crise do novo Coronavírus, manteve-se alto em 2020 com 1117 operações.


Crescimento do número de M&A - Brasil


Fonte: KPMG


No centro dessa transformação está um indicador macroeconômico de extrema importância para o mercado de fusões e aquisições: a taxa de juros básica da economia. Com o intuito de injetar liquidez e aumentar o consumo em um momento de cataclismo econômico ocasionado pela pandemia em 2020, a SELIC atingiu mínimas históricas, chegando a 2% a.a., o que corrobora para o aumento do número e do volume de transações entre empresas. O racional por trás desta questão está pautado em diversos fatores, tanto pela ótica do ofertante, quanto pela ótica do demandante.


Em relação à oferta, a discussão passa pelo método de avaliação das empresas, uma vez que, na utilização do método do fluxo de caixa descontado, a taxa de desconto dos fluxos de caixa futuros tem como fator fundamental a taxa de juros básica da economia. Logo, o empresário que decidiu negociar sua companhia em 2020 observou um valuation maior, quando comparado a anos anteriores. Ademais, a explosão do número de IPOs e follow-ons ocorrida em 2020 foi outro fator que aqueceu o mercado de M&A. Baseado na mesma premissa de uma menor taxa de desconto, por conta da SELIC baixa, o que resulta em maiores preços, diversas empresas foram ao mercado com o intuito de capitalizarem-se e aproveitar o apetite do investidor por novas oportunidades.


Quanto à demanda, essas empresas, agora capitalizadas, prospectam novos deals e uma das formas de alocação dos recursos adquiridos é a compra estratégica de empresas, visando expandir operações de forma inorgânica. Como exemplo, tem-se a Locaweb, empresa que levantou R$1.3 bilhões em seu IPO e, desde então, já concluiu 10 aquisições. Além dela, a Méliuz, empresa de cashback, já comprou 4 empresas após seu IPO em novembro de 2020.


Para empresas de tecnologia com métodos de crescimento agressivo, em um contexto de incertezas econômicas, medidas que visam a obter ganhos de escala - aquisição de empresas com uma base de clientes robusta e consequente adição destes para a empresa compradora - são estratégicas, uma vez que a adição de novos usuários resulta na diluição de custos e despesas, o que, em sistemas com incidência de custos fixos, diminui custos marginais.


Outrossim, um segundo aspecto analisado para o aumento de fusões e aquisições no período é a transformação acelerada pela crise da COVID-19. Diante da necessidade de adaptação rápida, as empresas recorrem a aquisições de players menores, sobretudo startups, como uma forma rápida e estratégica para a transformação digital. Desenvolver internamente novas soluções pode ser extremamente desvantajoso, tendo em vista o investimento inicial em equipe, a incerteza na capacidade de execução e a pequena expertise em operações fora do escopo tradicional de atuação.


Ecossistemas de empresas de tecnologia

Fonte: Formulários de referência de Magazine Luiza, Locaweb e Méliuz. Elaboração gráfica própria


Contudo, é necessário avaliar, em um cenário de aquecimento de fusões e aquisições, se as operações alcançam êxito em seu maior objetivo: a criação de sinergias. Um estudo conduzido por Oscar Malvessi, coordenador do curso de fusões, aquisições e valuation da FGV, sinalizou que mais de 50% das operações mundiais não geram riqueza após o negócio.


Além dele, um levantamento da KPMG apontou que 68% das operações de M&A realizadas no Brasil nos últimos 5 anos não geraram riqueza após o deal. Entre os fatores que justificam tais dados estão as diferenças culturais entre organizações, o que, atrelado à velocidade e quantidade de operações, dificulta o aproveitamento de sinergias. Como exemplo desta dificuldade está a possível fusão entre a Marfrig e a BRF: o processo apresenta aspectos financeiros positivos devido a diversificação de proteínas, mas encontra uma barreira por conta de diferenças culturais – em 2019, em uma primeira tentativa, a operação foi mal sucedida devido a discrepâncias nos modelos de governança, visto que a BRF, detentora de ADR nível três e capital disperso, visava replicar todo seu modelo corporativo, enquanto a Marfrig, empresa que possui 48% da composição acionária em acionistas controladores, buscava mais voz com as operações.


Por conseguinte, vale lembrar que todo momento de extrema euforia exige cautela. "Você só descobre quem está nadando pelado quando a maré é baixa” - a citação de Warren Buffett alerta para os riscos de pagar caro por ativos em momentos eufóricos, como o observado no cenário brasileiro de M&As, e arcar com dificuldades financeiras quando o otimismo do mercado encerra-se.


Nota-se que as duas maiores motivações - a necessidade de transformação digital e a elevada liquidez do mercado, dada a redução das taxas de juros - enfrentam dois enormes desafios. A integração de duas empresas é complexa, seja pelo conflito cultural, seja pela falta, ou dificuldade, do aproveitamento de sinergias entre as firmas, que só se torna evidente após o fechamento do negócio. Somado a isso, a projeção futura da SELIC, já a 6,13% a.a., e o risco político inerente às eleições presidenciais de 2022 são fatores que ameaçam esfriar o mercado brasileiro no próximo ano. Desse modo, deve-se erguer uma yellow flag para o nível de euforia do mercado.

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