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Como crises econômicas afetam hábitos de consumo


Os clientes são a principal força motriz por trás da maior parte das empresas de sucesso. Desse modo, o comportamento do consumidor, protagonista de uma contínua metamorfose, se tornou um valoroso objeto de estudo, dado que sua compreensão permite que as organizações moldem a própria atuação de acordo com os anseios do público-alvo. Portanto, cabe a reflexão: de que forma crises econômicas, como a que sucederá a atual pandemia, modificam os hábitos de consumo?


Em primeiro lugar, convém ressaltar que o consumidor do século XXI é diretamente afetado não só pelo panorama macroeconômico, mas também por fatores sociais e psicológicos. Nesse sentido, o comportamento de compra varia de acordo com a renda, demografia e cultura – sendo as camadas em condição de pobreza as primeiras a reagirem em períodos de recessão. Entretanto, nesses cenários, a maioria esmagadora da população é forçada a repensar cada comportamento de compra para encaixar o estilo de vida ao orçamento, independentemente da classe social. Tanto isso é verdade que, após a recessão econômica norte-americana de 2008, a desigualdade no consumo cresceu menos que a desigualdade na renda, como destacam Meyer e Sullivan.


Então, iniciemos a análise a partir do entendimento dos impactos psicológicos de uma crise. Nessa continuidade, circunstancias financeiras desfavoráveis aumentam significativamente o pânico e a incerteza entre os consumidores. Esse ponto pode ser explicado a partir da célebre Pirâmide de Maslow, que descreve a hierarquia das necessidades, responsáveis por instigar o consumo, de cada indivíduo. Na base, estão os níveis de fisiologia - relacionados a elementos primordiais- e de segurança, ligados essencialmente à estabilidade financeira. Para que as demais necessidades se manifestem em uma pessoa, e a subsequente predisposição para supri-la por meio de compras, essa base precisa estar devidamente satisfeita.


Entretanto, em tempos de crise, inúmeras famílias perdem suas rendas parcial ou integralmente e a instabilidade toma conta daqueles que ainda estão empregados, culminando na fragilização das necessidades básicas e redirecionando o comportamento a essa nova realidade. A partir disso, podemos finalmente entender como o hábito de consumo é afetado nesses períodos


A princípio, a percepção de um cenário caótico faz com que mesmo os que gozam de maior pujança econômica direcionem seus gastos a categorias de produtos consideradas, de fato, necessárias. Assim, compras relacionadas a entretenimento tendem, ao menos temporariamente, a reduzirem. A título de exemplo, um levantamento do SPC Brasil mostrou que, em função da recessão que o País enfrentava em 2016, mais da metade dos brasileiros passou a limitar gastos com lazer, como idas a cinemas, bares e restaurantes.


Ademais, como afirma o pesquisador J. Paul Peter no livro Consumer Bahavior, em crises econômicas, há uma tendência de enfraquecimento da fidelidade. Dessa forma, consumidores aumentam a pré-disposição em mudar de marca, e passam a priorizar o preço, ao invés da qualidade. Mesmo aqueles leais a empresas específicas optam por esperar uma queda nos valores de venda ou buscam continuamente promoções e cupons de desconto. Prova disso é a pesquisa realizada pela Market Probe International após a crise de 2008, a qual revelou que mais de um terço dos japoneses desistiram de suas marcas favoritas para poupar gastos.


Outra notória mudança é a redução da demanda por produtos sofisticados. Nesse sentido, os compradores se preocupam com a real utilidade de um bem, e costumam relacionar a simplicidade da mercadoria com preços mais justos, como afirma Mansoor no artigo The Global Business Crisis and Consumer Behavior: Kingdom of Bahrain as a Case Study de 2011, que analisa o histórico da reação do consumidor estadunidense quando a economia desacelera. Assim, são fortalecidos hábitos de compra modestos.


Além disso, eleva-se exponencialmente sensibilidade ao risco. Nesse sentido, a incerteza quanto ao futuro faz com que a população hesite em tomar decisões cujos efeitos são sentidos a longo prazo, como a compra de ações e o empreendedorismo – é o que descreve as economistas romenas Leila Voinea e Alina Filip em Analyzing the Main Changes in New Consumer Buying Behavior during Economic Crisis. Também é importante destacar que a idade influencia diretamente a aversão ao risco. Desse modo, considerando a tendência mundial de envelhecimento da população, esse fator pesa ainda mais na atual crise quando comparado às demais recessões.


Também segundo Voinea e Filip, estagnações fazem com que compras por impulso sejam substituídas pelo consumo consciente. Assim, os indivíduos se tornam ainda mais cautelosos, passando a pesquisar detalhadamente sobre cada mercadoria antes de compra-la e dando preferência àquela capaz de entregar o maior benefício possível a partir do menor preço.


Segundo Silva, em A mudança de hábitos de consumo da classe média em Portugal no contexto da crise atual, a depressão financeira cria na sociedade uma percepção de instabilidade e insegurança. Assim, os indivíduos sentem-se desmotivados a consumir e passam, na medida do possível, a poupar mais – mesmo em famílias de alta renda. Não só isso, os compradores tornam-se mais elásticos, reagindo rapidamente a mudanças de preço e, dessa forma, debilitando a capacidade das empresas de repassar o ônus da crise aos consumidores.


Por fim, é válido evidenciar que cada paralisação econômica traz consigo traços específicos, que influenciam diretamente a forma como o consumo será impactado. Na atual pandemia, por exemplo, a mudança se baseia majoritariamente em evitar aglomerações, favorecendo setores relacionados ao e-commerce e lesando os que envolvem muito contato físico, como festas e varejo de rua.


Diante do que fora apresentado, fica claro que crises financeiras impactam significativamente hábitos consumo. Nesse contexto, apesar de algumas mutações serem temporárias, muitas permanecem mesmo em períodos de bonança. Vale lembrar que toda crise exige adaptações. Sua própria origem, do latim crisis., remete a 'momento de mudança súbita’. Cabe às organizações, portanto, compreender o consumidor, que passa por transformações relevantes ao longo da atual pandemia, e sincronizar a própria atuação com os novos anseios e necessidades gerados.

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