top of page

Coronavírus e o ciclone tropical


É impossível prever neste momento quais serão as consequências da pandemia a longo prazo. Esse é um desses raros eventos que irá nos mudar para sempre – para melhor ou pior.

No momento em que esse texto é escrito temos mais de 300.000 casos confirmados de coronavírus e 12.964 mortes ao redor do mundo, sendo que em muitos países (inclusive no Brasil) os casos estão sendo mal mensurados, seja pela impossibilidade da realização de exames ou por casos assintomáticos, sendo assim os números reais são muito maiores. As medidas tomadas pela maioria dos países têm sido pouco efetivas, a Coreia do Sul é o único país que foi capaz de controlar o vírus de uma maneira aceitável.

Desta maneira, o choque de demanda ao redor do mundo é avassalador e comércios têm sido obrigados a fechar suas portas. Restaurantes, rede de hotéis, agências de turismo e companhias aéreas estão entre os setores mais afetados. Em Nova York, restaurantes anunciaram a emissão de “bonds” como uma alternativa para salvar seus negócios, provendo uma outra fonte de receita em um momento em que os restaurantes estão sendo forçados a limitar seus negócios. Em um dos possíveis cenários, esse “bond” dará o direito de uma refeição futura no valor de 100 dólares e será vendido a 75 dólares – até o momento 80 restaurantes já aderiram a causa.

A maior rede de hotéis no mundo, Marriott, com 130.000 funcionários, anunciou seu fechamento por tempo indeterminado e a licença não remunerada de seus funcionários. A gigantesca Boeing, com medo de que suas portas tenham que ser fechadas, tem mantido contato com o presidente Donald Trump e investidores de Wall Street em busca de assistência financeira. Aqui no Brasil, empresas têm orientado seus funcionários a fazer home office, escolas e universidades suspenderam suas aulas e a maior parte dos shoppings e academias devem ser fechados por decreto nacional. Na noite do dia 19 o governo federal anunciou a proibição de estrangeiros vindo da Europa, Ásia e Austrália. Além disso, o Estado do Rio de Janeiro anunciou o fechamento de suas fronteiras a estados vizinhos.

Com isso, o impacto na bolsa tem sido significativo. Até o momento o Ibovespa já teve 6 circuit breaks e uma queda acumulada de 42% em 2020. As empresas aéreas Gol e Azul estão entre as maiores quedas da bolsa mesmo com o alívio do preço do petróleo que atingiu seu menor preço em décadas. Smiles e CVC também não estão distantes e apresentam quedas de 74,185 e 81,26% respectivamente.

Wall Street teve sua pior semana até o momento. Logo na segunda-feira (16) o S&P 500 teve um de seus piores dias, com uma queda de 8,1% quase instantânea – a queda foi tão rápida que ultrapassou os 7%, nos quais o circuit break é acionado. Menos de 100 ações haviam sido negociadas até aquele momento. Quando os 15 minutos de circuit break acabaram a queda continuou até o fechamento do pregão com 12%. Enquanto isso, no mercado de opções, no qual investidores negociavam contratos futuros sobre a expectativa do S&P, o índice VIX funcionou como uma espécie de balizador para volatilidade e teve sua maior alta desde novembro de 2008. Até o momento a queda acumulada do S&P 500 é de 31%.

O dólar, por sua vez, apreciou em relação às principais moedas, um movimento incomum que normalmente é visto apenas nos períodos mais estressantes do mercado. Ele subiu mais de 1% em relação ao euro e à libra esterlina e avançou de forma semelhante contra o iene e o franco suíço, moedas que tendem a se fortalecer - e não enfraquecer - em tempos de turbulência no mercado. O Fed anunciou que ajustou um programa com outros cinco bancos centrais para disponibilizar dólares americanos no exterior a taxas de juros próximas de zero, usando as chamadas linhas de swap.

Recentemente, o Fed também anunciou o seu segundo corte na taxa de juros norte-americana, trazendo-a para perto dos 0%, e o lançamento de um agressivo pacote que pretende injetar 1,1 trilhão de dólares na economia. Linhas especiais de crédito serão criados para as empresas, em especial as aéreas, através de notas promissórias. Também se espera uma forte atuação no mercado de títulos governamentais e hipotecários.

O anúncio dessas medidas causou um movimento de vendas no mercado de bonds governamentais e consequentemente um aumento dos Yields. Para financiar medidas de estímulo, incluindo US$ 1 trilhão em gastos discutidos na terça-feira em Washington, haverá a emissão de novos títulos do governo. Nos termos mais simples, uma maior oferta de títulos deve fazer com que os preços caiam e os yields aumentem.

Outras possibilidades para esse movimento incluem a venda forçada em busca de liquidez por parte de alguns hedge funds (Bridgewater Associates admitiu uma perda de 20%); fundos de pensão e wealth management vendendo bonds para atender suas necessidades de caixa e a venda por parte de alguns para auferir lucros uma vez que os preços estavam no seu maior patamar histórico.

Com essas incertezas, há um forte movimento em busca de caixa. Normalmente, quando os investidores se afastam de ativos de risco, eles compram dívidas governamentais mais seguras – ou, se estão realmente assustados, ouro. Entretanto, os investidores parecem estar confiando apenas nos títulos de curto prazo ou caixa. Quando até ouro e prata estão perdendo valor, isso nos mostra o quanto as pessoas estão desesperadas por liquidez. Pessoas e empresas precisam de dinheiro para cobrir aluguel, contas e outros custos fixos num momento em que empresas e escolas fecham portas e enviam funcionários para casa ao redor do mundo a única solução é vender.

Essa corrida ao dinheiro colocou pressão sobre os mercados monetários nos EUA e no mundo. A diferença entre o rendimento da T-Bill de três meses e as taxas de empréstimos interbancários, conhecido como Ted-spread, saltou acima de 1 ponto percentual, de acordo com o FactSe. Esse nível não foi observado desde o início de 2009. Em bons tempos, a diferença entre as taxas, que reflete como é fácil para os bancos obter empréstimos de curto prazo, é insignificante.

Já na Europa o movimento foi parecido. Títulos do governo da Itália e da Grécia tiveram um movimento de venda depois que o Banco Central Europeu lançou um programa de compra de dívida de 750 bilhões de euros (US$ 810 bilhões) para manter os custos dos empréstimos sob controle enquanto os países se preparam para aumentar os gastos para combater o impacto do coronavírus.

O Banco da Inglaterra seguiu a quinta-feira com seu segundo corte de emergência nos custos de empréstimos neste mês, elevando a taxa de referência a um recorde de 0,1%. O BOE também anunciou um aumento na meta de seu programa de compra de ativos para 645 bilhões de libras (US$ 752 bilhões).

As duas decisões são marcantes e respostas ao surto amplamente visto. A presidente do BCE, Christine Lagarde, reforçou a mensagem de que os formuladores de políticas farão tudo o que puderem, dizendo que "não há limites para o nosso compromisso com o euro". O programa eleva o total das compras planejadas de títulos do BCE este ano a 1,1 trilhão de euros, seu maior valor anual de todos os tempos.

Em todo o mundo, há a sensação de que os bancos centrais fazem tudo o que podem, ficando sem respostas e entregando aos políticos a elaboração de uma resposta fiscal. Em muitos casos, estão fazendo isso diante de uma grave crise financeira que tornará muito mais difícil propor as medidas necessárias para persuadir a economia através da pandemia.

Há chances de que essas medidas funcionem, mas apenas para resolver um problema que agora parece bastante restrito: o mecanismo de transmissão da política monetária não está mais funcionando na zona do euro e os movimentos da taxa de juros pelos bancos centrais não estão prontamente alimentando outros custos de empréstimos na economia.

O problema é que muito mais do que política monetária é necessária. Nada do que Lagarde anunciou ajudará empresas a abrir negócios, aumentar suas receitas ou pagar seus funcionários. Isso depende das autoridades de saúde pública que contêm o vírus, enquanto a política fiscal será necessária apenas para mitigar os efeitos de quaisquer medidas que sejam tomadas para alcançar esse objetivo.

Por exemplo, em outras circunstâncias, a decisão aqui no Brasil de reduzir sua própria meta da taxa Selic em 50bps, tendo dito anteriormente que não haveria mais cortes, teria sido uma notícia importante. No entanto com o contexto atual, isso é extraordinário. A taxa Selic está agora abaixo da taxa de inflação mais recente. Um país que há gerações se preocupa com a inflação e consegue se lembrar facilmente da hiperinflação se juntou ao clube de nações preocupadas com a estagnação.

Essas preocupações continuam vivas, apesar dos efeitos de uma corrida nos mercados emergentes e, principalmente, nas moedas latino-americanas que normalmente aumentariam o risco de importar inflação. A dinâmica dessa corrida cambial não tem a ver apenas com a pandemia que foi instalada e sim com a crise financeira que ela criou. Até o momento, o Brasil tem 18 mortes por coronavírus e o México apenas uma. E, no entanto, ambos viram suas moedas caírem para mínimos históricos em relação ao dólar.

A pressão sobre as nações dependentes de commodities não tende a diminuir e pode até ser exacerbada pela ação do BCE, pois tende a enfraquecer o euro e tornar a compra de dólares mais atraente. Essa pressão vem da pandemia, mas também do profundo pessimismo em relação à deflação, com a qual a política monetária tem dificuldade de lidar.

O ministro Paulo Guedes anunciou essa semana um programa de 150 bilhões de reais para a economia. O recurso será injetado em um período de 3 meses, sendo que parte será direcionado para a população mais carente e outra para a sustentação do mercado. O programa ainda prevê medidas de antecipação do décimo terceiro de aposentados e pensionistas do INSS e a expansão do Bolsa Família.

Ainda não conseguimos prever quais serão os impactos econômicos e quais as próximas medidas a serem tomadas pelos Bancos Centrais. As atuais pesquisas indicam que a taxa de desemprego pode chegar a 20% nos Estados Unidos e que a expectativa de crescimento do PIB mundial é de 2%. Na sexta-feira, o Ministério da Economia brasileiro indicou que as perspectivas de PIB são de 0,02%; antes em 2,1%. O destino da economia ainda depende principalmente de levar as pessoas de volta a restaurantes, escritórios e aviões. E isso só acontecerá com uma política de saúde pública séria, um melhor controle do vírus e o surgimento de uma vacina.

Até lá, a impressão que tenho com tantas indefinições, solavancos e volatilidade, é a de que estamos todos munidos de um guarda-chuva, daqueles baratinhos comprados na saída do metrô, para enfrentar um ciclone tropical que muita gente vai se molhar.

bottom of page