Uma pergunta como essa pode parecer pouco intuitiva ao se analisar a empresa e dinâmica do setor de tecnologia. Concentração em um pequeno grupo de empresas colossais, dominação de serviços e uma necessidade crescente de ganhos em escala que favorece o crescimento inorgânico de grandes empresas são algumas das ideias geralmente emitidas acerca desse segmento.
Porém, novas tendências governamentais podem mudar a realidade de uma área que ficou conhecida por criar as companhias mais valiosas da atualidade e moldar o modo de viver do século XXI. Essas tendências tem uma peça chave: a ação de reguladores antitruste nos EUA.
Esse fator, que consiste em medidas de controle estatal sobre empresas que, por acumularem muito poder, podem prejudicar a competição justa nos mercados, está sendo cada vez mais apontado como iminente para as quatro maiores empresas do setor – Amazon, Apple, Google (representado pela sua holding Alphabet) e Facebook. Conhecidos como GAFA ou Big Tech, esses conglomerados hoje obtêm receitas de cerca de 700 bilhões de dólares, o que superou o PIB da Arábia Saudita, 19ª maior economia do mundo, em 2018.
Dados como esse, que evidenciam que tais companhias têm uma importância econômica que as incluiria no G20, motivaram pressões de governos acerca delas. Casos como o escândalo da Cambridge Analytica, que foi extremamente relevante a medida em que ele foi tido como decisivo para a opção dos britânicos pelo Brexit em 2016, são apontados como ameaças à estabilidade da economia global, pois podem trazer consigo fatores desestabilizantes como notícias falsas e induções ao comportamento de eleitores.
Apesar de já pautar debates há anos, a questão da regulação antitruste sobre a Big Tech ganhou força recentemente ao se tornar um tema central na política norte-americana. Com o início das campanhas presidenciais para as eleições de 2020, candidatos democratas como a senadora Elizabeth Warren levantaram a quebra dessas empresas como uma de suas principais bandeiras. Entretanto, há também apoio por parte de republicanos, que aumentam expectativas por terem controle sobre o Senado e o Executivo.
Isso se soma ao fato de que os Estados Unidos já exerceram ações semelhantes ao que pode ser feito com as gigantes da tecnologia. Embora o caso mais notável seja o da Standard Oil, império de John Rockefeller dividido em 1911 por criar um monopólio e origem de empresas como as atuais BP e ExxonMobil, um acontecimento recente que pode ser tomado como base é o da investigação da Microsoft feita pelo Departamento de Justiça americano nos anos 1990.
Nela, o que desmotivou uma divisão foi o fato de que a empresa não acompanhou tendências de consumo, como o uso de smartphones, a partir dos anos 2000. Isso indica que o GAFA, que hoje dedica esforços em acompanhar as demandas de clientes, provavelmente será o alvo de regulações.
Além disso, ações de reguladores antitruste já foram aplicadas fora dos EUA, com destaque para as multas impostas ao Google pela União Europeia, com cifras bilionárias e capazes de atingirem resultados profundos (em 2018, uma multa de 5 bilhões de dólares impactou o segundo trimestre, no qual o lucro estimado era de US$ 6,8 bilhões). Ademais, as ameaças provenientes de solo americano são vistas como ainda mais relevantes pelo fato de que a Federal Trade Comission (FTC), órgão responsável por garantir a competitividade no mercado do país, não precisa temer retaliações por parte do governo de Donald Trump, diferentemente dos europeus.
Tendo isso em vista, nota-se que as divisões serão complicadas. Ao se analisar as receitas do GAFA, nota-se que ele ainda depende de produtos únicos. Embora a Amazon, ainda que dependente das vendas próprias, diversifique receitas com o AWS e o Prime Video, a Apple, ainda que obtenha receitas expressivas do Mac e do iPad, depende do iPhone e de serviços dependentes (como o Apple Pay). Entretanto, os casos mais relevantes são a Alphabet, que tem nos anúncios quase 85% das receitas, e o Facebook, que, apesar de revelar planos de diversificação com a criptomoeda Libra, depende deles para obter 98% de suas receitas. Considerando que as plataformas de publicidade cruzam dados de diferentes fontes (como Google e Youtube ou Instagram e WhatsApp) para obterem eficiência, espera-se que o impacto financeiro não se trate apenas de uma repartição, mas de uma diminuição geral.
Porém, não é obrigatório esperar que a regulação antitruste americana mude a dinâmica do setor. Um acordo firmado entre a FTC e o Facebook em julho, no qual foi estabelecida uma multa de 5 bilhões de dólares pelo caso Cambridge Analytica, fez o valor da empresa subir, pois a nova obrigação para a companhia é irrisória quando comparada às suas reservas de caixa de US$ 45 bilhões.
Essa movimentação, que melhorou projeções de analistas e curiosamente tornou Mark Zuckerberg mais rico em decorrência do aumento de 6 bilhões de dólares na capitalização da Facebook, pode servir como prenúncio para os próximos passos das regulações, apesar de já ter gerado críticas por parte de políticos. Nesse caso, a divergência de posições entre republicanos e democratas sugere que penas consideradas brandas sejam prováveis até 2020.
De qualquer forma, se, para alguns, os dados são o petróleo do século XXI, é de se esperar que haja um movimento semelhante ao que afetou a Standard Oil com as empresas que concentram um recurso tão importante. Assim, é preciso analisar as possibilidades de se fazer divisões semelhantes e as consequências delas nas finanças – e na vida cotidiana dos cidadãos.
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