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O jogo dos perdedores: a (ir)racionalidade no mercado financeiro


Vamos lá! Você estudou muito, enviou o seu currículo para vários bancos com sede na Faria Lima e, depois de fazer 10 entrevistas semelhantes, finalmente conseguiu o tão sonhado estágio no mercado financeiro. Após o primeiro mês no almejado posto, você recebe o seu primeiro salário e se depara com a seguinte pergunta: onde devo investi-lo, visando uma aposentadoria ótima?

Vamos considerar três opções de investimento para esse recorrente problema no meio universitário: (a) títulos públicos, (b) fundo de ações e (c) IBrX-100. Qual delas você escolheria?

Embora não exista uma resposta precisa para essa questão, evidências apontam para uma melhor rentabilidade de longo-prazo em um portfólio diversificado de ações — IBrX-100 e fundo de ações—, em comparação a títulos públicos. Agora, fundo de ações ou IBrX?

Para fins de exemplificação, iremos responder a essa pergunta com alguns dados do mercado estadunidense. Isso porque a análise é igualmente válida para o mercado brasileiro, como demonstram alguns estudos ao final do artigo.

O gráfico abaixo compara o retorno médio de fundos de ações geridos ativamente com os retornos do Wilshire 5000 — um índice que considera todas as ações comercializadas no mercado estadunidense:


Em 25 de 41 anos, os retornos da carteira de ações estadunidenses Wilshire 5000 apresentaram um resultado melhor do que a média dos fundos multimercado. Trata-se de um resultado um tanto quanto desanimador para os gestores de fundos, que poderiam obter resultados relativamente melhores investindo no índice ao invés de perder tempo gerindo ativamente portfólios. Mas por que, afinal, não conseguem sequer um rendimento médio acima do mercado? Novamente, não é uma pergunta simples, mas vamos tentar respondê-la parcialmente com o conceito de eficiência dos mercados e de vieses dos investidores.

Segundo a hipótese dos mercados eficientes (EMH), fundamental na teoria moderna dos portfólios, as ações refletem em seus preços todas as informações públicas disponíveis. Dessa forma, superar um portfólio diversificado de ações seria uma tarefa extremamente difícil, dada a velocidade de reação do mercado às informações tornadas acessíveis. Em outras palavras, as ações teriam movimentos aleatórios de preços — random walk —, sem a possibilidade de os antever com qualquer análise.

Nesse momento, você poderia se olhar no espelho e perceber que todo o seu esforço para alcançar um sonhado posto não passou de uma grande mentira, porque no longo-prazo, o retorno do seu trabalho como analista será, provavelmente, no máximo igual ao retorno do mercado...

No entanto, a Hipótese dos Mercados Eficientes definida por Eugene Fama em 1970 divide opiniões, pois traz consigo uma série de pressupostos duvidosos, dentre os quais o de considerar o investidor como um agente racional, avesso ao risco e que dispõe de toda informação pública disponível para tomada de sua decisão: percebe-se que, nesse universo de investidores racionais, não teria sentido um fundo de ações obter retorno abaixo do mercado.

Assim, em contraposição a essa perspectiva, surgiu o estudo das finanças comportamentais. A área busca analisar os vieses da tomada de decisão das pessoas e a forma como eles contradizem a ideia de eficiência dos mercados, estando diretamente relacionados à incapacidade de parte dos investidores de superar os retornos do mercado (como exposto no gráfico acima). Aqui, portanto, vamos analisar alguns dos principais conceitos buscando relacioná-los com situações cotidianas e profissionais:

Um viés fundamental é a confiança exagerada. Da mesma forma que acreditamos ser motoristas melhores do que a média, os investidores também tendem a acreditar que são melhores do que os demais. Afinal, se não fossem, qual seria o sentido de tentar bater o mercado? Esse sentimento ainda é acrescido do otimismo irrealista. Trata-se de uma expectativa positiva em determinada situação, independente dos possíveis riscos provenientes dela. Temos aqui a famosa frase: “mas dessa vez é diferente”, em que se cria um ambiente propício para bolhas, como as de 2000 e 2008, em que se predomina o entusiasmo em meio a lucros crescentes e se ignora o risco de um revés subsequente.

No mesmo sentido, a ilusão do controle envolve a ideia de certeza em um futuro que não pode ser previsto de fato. Quantas vezes não escutamos “está tudo sob controle” em situações caóticas? Esse viés faz com que as pessoas não apenas tendam a se arriscar demais e se protejam insuficientemente diante de uma possível situação adversa.

Por fim, um último conceito interessante é o de efeito representatividade. Ele consiste basicamente na formação de atalhos mentais, voltados para simplificação na tomada de decisão, com base em um evento anterior marcado na memória. Você poderia imaginar aquele dia em que, quando saía de casa, seus pais pediram para que tomasse cuidado nas ruas, pois tinham lido uma matéria no jornal sobre um assalto na noite anterior. Teoricamente, o roubo é uma ocorrência aleatória, mas a representatividade traz a ideia de que haveria uma maior chance de o evento se repetir. Da mesma forma, haveria uma tendência de que investidores encontrassem padrões em eventos aleatórios: uma queda nos valores de determinado índice traria um sentimento de outra queda subsequente — que poderia vir a ocorrer como consequência dessa expectativa.

De modo geral, são diversos os conceitos desenvolvidos nas finanças comportamentais, muitos dos quais adicionam, inclusive, novas ideias à teoria moderna de portfólio. Por mais que que o mercado ainda seja majoritariamente pautado por decisões racionais, perceber os seus vieses faz parte do processo de entendimento de seu sistema como um todo. Vale como lição saber que investidores nem sempre são racionais, que as ações nem sempre refletem o valor intrínseco de uma empresa e que a complexidade do mercado financeiro é também a complexidade da mente humana.

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