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O mito da Esfinge de Tebas e a crise das Livrarias no Brasil


Segundo a mitologia Grega, a Esfinge de Tebas era um monstro alado que aterrorizava os moradores da cidade com a ameaça de que, se não desvendassem seu enigma, seriam devorados por ela. O mito da Esfinge consolidou-se no imaginário popular como uma metáfora perfeita para caracterizar problemas sem saída ou de resolução complexa. Apesar da grande diferença temporal, o mito da Esfinge pode ser a melhor metáfora para o mercado de livrarias no Brasil. O enigma foi lançado.

No final do ano passado, a rede de livrarias Saraiva, maior varejista de livros do país, entrou com pedido de Recuperação Judicial na 2ª Vara de Falências e Recuperações de São Paulo. Tal notícia coloca a Saraiva lado a lado com sua principal concorrente: a Livraria Cultura, segunda maior varejista do setor, que também pediu Recuperação Judicial no final de 2018, e com a, já extinta em território nacional, Fnac. Com o pedido, pode-se dizer que o cenário de decadência do mercado de livros e editorial no Brasil completa-se, evidenciando as consequências de mudanças estruturais e, aparentemente, inevitáveis ao setor.

Não é de hoje que o mercado editorial e de livrarias no Brasil enfrenta dificuldade. Segundo dados do IBGE, o volume de vendas de livros, jornais e revistas no Brasil não apresenta crescimento mensal positivo desde maio de 2017. No acumulado desde 2014, o mercado apresenta retração de mais de 40%. Diante desse cenário, fica evidente que as dificuldades do setor não se resumem às consequências da crise econômica mas, sim, à aspectos relacionados ao modelo de negócio das grandes livrarias e ao acirramento da competição do setor.



Primeiramente, faz-se necessário caracterizar o perfil e o comportamento do consumidor. Segundo dados do IBOPE de 2016, apenas 56% dos brasileiros leram, nos últimos três meses, algum livro. Número muito abaixo na comparação com os 88% de leitores frequentes nos EUA, aspecto cultural que dificulta muito o crescimento do setor no país. Afinal, nenhum comerciante conseguirá vender um livro, se seu consumidor não possui hábito de leitura. No entanto, o baixo número de leitores frequentes não é a única justificativa para a derrocada do setor. Tal número apenas sumariza os desafios culturais e econômicos.

Um desses desafios é o alto grau de discricionariedade desses produtos, ou seja, o comércio de livros e revistas apresenta alta relação com os ciclos econômicos e seus produtos são facilmente cortados da cesta de consumo da grande maioria das famílias brasileiras. Essa característica alavanca a exposição das grandes livrarias, como Saraiva e Cultura, à recessão, afetando seus resultados, afinal, livros são a principal fonte de receita das companhias. Além disso, a similaridade dos produtos impede a adoção de preços discrepantes aos praticados no mercado. Os textos de Machado de Assis serão iguais, independentemente de serem publicados pela editora A ou B.

Soma-se a esse cenário o acirramento da competição desse setor no Brasil. Apesar de serem responsáveis por mais de 40% do varejo de Livro no Brasil, Saraiva e Cultura comandam uma pequena parcela do número de livrarias no país, mercado caracterizado por lojas de bairros e sebos. Outro indicativo da forte competição é o alto percentual de desconto praticado pelos players. Em 2018, tal percentual chegou, em média, a 18,9%, valor alto para um mercado de baixo Ticket médio. Acrescenta-se a esse cenário a entrada no mercado nacional de grandes redes comércio eletrônico que conseguem vender os mesmos livros com preços mais baixos ou por meio de Marketplaces, como a Amazon e o MercadoLivre, tornando a competição ainda mais acirrada.


Além dessas características, aspectos internos ao modelo de negócio da Saraiva e Cultura dificultam ainda mais a viabilidade do negócio. As duas companhias apostam na venda de livros físicos por meio de grandes lojas em pontos comerciais de grande circulação como Shopping centers. Esse modelo, além de estar na contramão das tendências do mercado, acarreta em custos fixos mais elevados para as companhias que, somados à produtos de baixo Ticket médio e à recessão promovem o aumento exponencial do endividamento, acarretando no pedido de Recuperação Judicial.

No entanto, apesar do cenário adverso, ainda há alternativas para as grandes livrarias no Brasil. A sobrevivência desse setor, invariavelmente, passa pela atualização do modelo de negócio das companhias, visando, prioritariamente, estratégias que promovam a digitalização e a integração de seus canais de venda. Uma alternativa é a ampliação de estratégias que aprimorem a experiência do consumidor, como a compra online e a retirada em loja. Além disso, a redução do tamanho e a transformação dos pontos físicos de venda em espaços culturais, servindo como plataforma de consolidação e de aprimoração da experiência do consumidor com a marca, podem ser fatores para a retomada do crescimento.

Portanto, conclui-se que a tendência de digitalização das livrarias é inevitável, e que a adaptação das grandes redes é crucial para a sua sobrevivência no setor. Parodiando a Esfinge de Tebas, a situação das livrarias no Brasil pode ser sintetizada na máxima da lenda grega: “Adapte-se ou te devoro”.


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