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Diga-me com quem andas e te direi quem és


Que o Brasil precisa de reformas profundas para superar a maior crise de sua história, todos sabem. No centro das discussões estão as reformas Trabalhista e Previdenciária, que vêm recebendo grande atenção da mídia, por lidarem com assuntos sensíveis aos brasileiros. Entretanto, o mesmo holofote não é partilhado por outra reforma primordial para que o Brasil retome uma trajetória de crescimento sustentável: a abertura comercial e inserção do país nas grandes cadeias globais de produção.

Recentemente, o Brasil foi alvo de críticas da Organização Mundial do Comércio precisamente por ser um país fechado ao longo de sua história. Ainda que os representantes brasileiros tenham diminuído o peso do parecer da Organização, dados do Banco Mundial de 2015 o corroboram. A entidade apurou que a participação do comércio externo no PIB do Brasil é de apenas 27%, um número baixo se comparado aos outros membros do BRICS. A China apresenta índice de 40%, a Índia, 42%, a Rússia, 49%, e a África do Sul surpreendentes 72%.

A possível entrada do Brasil na OCDE - Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico - representaria um incentivo para mudar esse quadro. Nas palavras de seu secretário geral, Angel Gurría, a entidade promove um fórum onde governos podem comparar e trocar experiências políticas, identificar boas práticas e incentivar certas condutas e decisões; buscando resolver problemas comuns e impactar o bem-estar social e econômico desses países. Dela fazem parte as economias mais avançadas do mundo, sendo que nos únicos latino-americanos membros, México e Chile, o comércio externo representa 73% e 60% do PIB, respectivamente.

Um dos principais motes da Organização é a defesa de mudanças institucionais em seus países membros, para garantir maior competitividade, inovação e produtividade. Para ser membro pleno do grupo é necessário enviar um pedido formal, como fez o Brasil, e aguardar que seus atuais integrantes discutam internamente a possibilidade e elaborem um guia de medidas às quais os candidatos devem se adequar condicionalmente à sua aprovação. O processo dura em média três anos, desde o pedido até a entrada efetiva.

O Brasil deu início ao processo de entrada na Organização, em carta assinada pelos ministros Aloysio Nunes - das Relações Exteriores - e Henrique Meireles - da Fazenda -, afirmando que “aproximar-se da OCDE é parte de uma estratégia mais ampla para consolidar caminho rumo ao desenvolvimento sustentável e inclusivo.” O país, como parceiro-chave do grupo, já participa - sem poder de decisão - de 23 comitês e está em conformidade com muitas das normas recomendadas pela entidade. Contudo, o governo brasileiro terá que se dispor a sanar alguns problemas já conhecidos. A organização aponta que os principais desafios para a administração pública brasileira estão na superação de gargalos de infraestrutura, na melhoria da política tributária, na redução da burocracia e da corrupção, no aumento da transparência e no fomento à inovação através de políticas educacionais. Claramente, nada que prejudicaria o país.

Ainda que não seja a solução para todos esses embaraços, a entrada na Organização pode significar aumento da pressão externa sobre o Brasil para que melhore suas políticas internas. Além disso, significaria um alinhamento com as medidas de defesa do livre mercado que são promovidas por ela. Novos dispositivos legais que restaurem a confiança nos mercados podem contribuir para a redução do risco financeiro e consequente atração de investimento estrangeiro em meio a um quadro grave de recessão. O Brasil já demonstrou esse interesse quando pediu adesão ao Código de Liberalização dos Movimentos de Capitais, que facilita a entrada e saída de capitais estrangeiros no país.

Um peso estratégico pode ser dado à entrada no grupo, visto que o Brasil faria parte da OCDE, dos BRICS e do G-20. Cumprindo com os padrões da Organização, as possibilidades de acordos multilaterais podem aumentar, uma vez que seríamos o maior mercado emergente com governança e legislação econômica compatíveis aos moldes exigentes da OCDE. Como resultado da abertura comercial, alguns setores industriais podem ter seu desenvolvimento acelerado pela maior participação brasileira nas cadeias de produção, visto que até hoje “proteger a indústria nacional da concorrência externa” nada fez de concreto para que esse setor crescesse sustentavelmente num contexto de globalização como o atual.

Apesar de a entrada do Brasil na OCDE ser corroborada por seu histórico de participações como não membro, ela pode ser dificultada por alguns fatores. A crise política pela qual o país passa é um dos principais, ao reforçar o quadro de incertezas. Ademais, a medida pode sofrer algum combate por parte daqueles que consideram que a aproximação do Brasil ao “clube dos países ricos” não passa de “entreguismo” e representa uma “ameaça à soberania nacional”. Sem embargo, essas críticas são fundamentadas na defesa de uma cultura burocrática que só atrapalha o desenvolvimento do país. As mudanças necessárias adequariam a legislação brasileira a modelos que deram certo em países com vasta reputação quando o assunto é desenvolvimento econômico.

Externamente, o processo ainda se encontra travado pela posição reticente de alguns países, como Israel e Estados Unidos. Este último teme que a OCDE vire uma “ONU da Economia”, como relatam fontes jornalísticas. A relutância destes e outros membros do grupo pode ser explicada pelo fato de que não só o Brasil enviou pedido de entrada, mas também Argentina, Peru, Romênia, Bulgária e Croácia. A negociação simultânea da entrada de vários países pode atrasar pautas de maior urgência para a Organização, o que motivou o adiamento do início das discussões, que teria ocorrido no dia 12 de julho, mas foi postergado para o dia 25 de setembro, conforme apurou o Jornal Valor Econômico.

A possível entrada do Brasil na OCDE representa uma guinada na política externa do país, antes focada na relação com os países em desenvolvimento. Agora, tentando aproximar-se dos países desenvolvidos, o Brasil busca mostrar-se minimamente comprometido às tendências mundiais, o que pode ser benéfico para a retomada da classificação de risco do país. Não restam dúvidas de que há muito ainda a ser feito e que as instituições nacionais estão abaladas, mas qualquer passo na direção do desenvolvimento deve ser visto com bons olhos.


Artigo publicado em outubro/2017 na 18ª edição da Markets St.


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